terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

A batalha das palavras

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2007.02.04
As "batalhas" do aborto parece que se prendem por questões semânticas, pelas palavras. Afinal, no referendo da próxima semana, está em discussão a despenalização e descriminalização do aborto, ou, antes, a sua legalização e liberalização? Os partidários do sim preferem falar em descriminalização, ou mesmo em simples despenalização. Têm uma conotação mais moderada e menos radical, e poderão ir de encontro ao sentir de muitas pessoas que afirmam que "são contra o aborto, mas não querem que as mulheres sejam penalizadas". Estas pessoas poderão defender a despenalização, mas, porque "são contra o aborto", não aceitarão que o Estado passe a colaborar activamente na sua prática. Os do NÃO acham que esta lei do defende a legalização ou liberalização e eu sou desta opinião.
Enfatizo novamente a desmontagem do argumento da “prisão de mulheres” porque tenho ouvido, nos OCS, algumas confusões. O Código Penal (Livro II, Capítulo II, artigos 140º, 141º e 142º) já prevê, nalgumas situações, a dispensa de pena quando se verifica a prática de um crime. Na proposta de alteração do regime penal do aborto, em tempos sugerida pelo Prof. Freitas do Amaral, o aborto continuaria a ser crime, uma conduta objectivamente censurável como tal definida pela Lei, mas estaria, em regra, excluída a culpa da mulher, por se verificar uma situação de "estado de necessidade desculpante", o que afastaria a aplicação de qualquer pena.
Mas não é nada disto que se verifica na proposta a submeter a referendo. De acordo com essa proposta, o aborto realizado, por vontade da mulher grávida, nas primeiras dez semanas de gravidez e em estabelecimento legalmente autorizado, será descriminalizado. Importa, também, ter presente que não são necessárias a descriminalização e despenalização do aborto para evitar a prisão, e até o julgamento, das mulheres que abortam. Quanto à prisão, esta é, no nosso sistema penal, um último recurso, não o primeiro, nem o principal. Não há notícia de mulheres condenadas por aborto em pena de prisão. Em relação a muitos outros crimes (injúrias, difamação, condução ilegal) está prevista a pena de prisão, mas esta não se aplica na prática, sobretudo quando se trata de uma primeira condenação. E mesmo o julgamento dessas mulheres pode ser evitado, através do recurso à suspensão provisória do processo.
(Fonte: Pedro Vaz Patto, membro da Comissão Nacional da Justiça e Paz; Editor Revista Cidade Nova, nas edições nº1,4,7/8,11,12 de 2006 e nº.1 de 2007 http://www.focolares.org.pt/editora_revista.htm)
Concluindo: o essencial da questão a discutir no referendo não reside na realização de julgamentos das mulheres que abortam (estes podem ser evitados no actual quadro legal). E não reside sequer na criminalização ou descriminalização do aborto. Reside, antes, na sua legalização e liberalização. Reside em saber se o Estado deve facilitar e colaborar activamente na prática do aborto ou se, pelo contrário, deve colaborar activamente na criação de condições que favoreçam a maternidade e a paternidade, alternativas ao aborto que todos reconhecerão como mais saudáveis e mais portadoras de felicidade para a mulher, o homem e a criança. Obrigado meus pais por não me terem abortado para poder votar NÃO à morte pela morte!

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