terça-feira, 1 de junho de 2010

“Emigração ética”

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.Maio.29

Às vezes sou considerado “Europeísta Utópico”. Antes de partir de férias (merecidas), deixo-vos um texto, de uma jornalista reconhecida, que fará pensar sobre algumas más práticas que ainda subsistem na Europa.
“Os homens europeus descem sobre Marrocos com a missão de recrutar mulheres. Nas cidades, vilas e aldeias é afixado o convite e as mulheres apresentam-se no local da selecção. Inscrevem-se, são chamadas e inspeccionadas como cavalos ou gado nas feiras. Peso, altura, medidas, dentes e cabelo, e qualidades genéricas como força, balanço, resistência. São escolhidas a dedo, porque são muitas concorrentes para poucas vagas. Mais ou menos cinco mil são apuradas em vinte e cinco mil. A selecção é impiedosa e enquanto as escolhidas respiram de alívio, as recusadas choram e arrepelam-se e queixam-se da vida. Uma foi recusada porque era muito alta e muito larga. São todas jovens, com menos de 40 anos e com filhos pequenos. Se tiverem mais de 50 anos são demasiado velhas e se não tiverem filhos são demasiado perigosas. As mulheres escolhidas são embarcadas e descem por sua vez sobre o Sul de Espanha, para a apanha de morangos. É uma actividade pesada, muitas horas de labuta para um salário diário de 35 euros. As mulheres têm casa e comida, e trabalham de sol a sol.
É assim durante meses, seis meses máximo, ao abrigo do que a Europa farta e saciada chama Programa de Trabalhadores Convidados. São convidadas apenas as mulheres novas com filhos pequenos, porque essas, por causa dos filhos, não fugirão nem tentarão ficar na Europa. As estufas de morangos de Huelva e Almería, em Espanha, escolheram-nas porque elas são prisioneiras e reféns da família que deixaram para trás. Na Espanha socialista, este programa de recrutamento tão imaginativo, que faz lembrar as pesagens e apreciações a olho dos atributos físicos dos escravos africanos no tempo da escravatura, olhos, cabelos, dentes, unhas, toca a trabalhar, quem dá mais, é considerado pioneiro e chamam-lhe programa de "emigração ética". Os nomes que os europeus arranjam para as suas patifarias e para sossegar as consciências são um modelo. Emigração ética, dizem eles.
Os homens são os empregadores. Dantes, os homens eram contratados para este trabalho. Eram tão poucos os que regressavam a África e tantos os que ficavam sem papéis na Europa que alguém se lembrou deste truque de recrutar mulheres para a apanha do morango. Com menos de 40 anos e filhos pequenos. As que partem ficam tristes de deixar o marido e os filhos, as que ficam tristes ficam por terem sido recusadas. A culpa de não poderem ganhar o sustento pesa-lhes sobre a cabeça. Nas famílias alargadas dos marroquinos, a sogra e a mãe e as irmãs substituem a mãe mas, para os filhos, a separação constitui uma crueldade. E para as mães também. O recrutamento fez deslizar a responsabilidade de ganhar a vida e o pão dos ombros dos homens, desempregados perenes, para os das mulheres, impondo-lhes uma humilhação e uma privação. Para os marroquinos, árabes ou berberes, a selecção e a separação são ofensivas, e engolem a raiva em silêncio. Da Europa, e de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. A separação faz com que muitas mulheres encontrem no regresso uma rival nos amores do marido.
Que esta história se passe no século XXI e que achemos isto normal, nós europeus, é que parece pouco saudável. A Europa, ou os burocratas europeus tratados como animais de luxo, com os seus carrões de vidros fumados, os seus motoristas, as suas secretárias, os seus conselheiros e assessores, as suas legiões de servos, mais os banquetes e concertos, interlúdios e viagens, cartões de crédito e milhas de passageiros frequentes, perdeu, perderam, a vergonha e a ética. Quem trata assim as mulheres dos outros jamais trataria assim as suas. Os construtores da Europa, com as canetas de prata que assinam tratados e declarações em cenários de ouro, com a prosápia de vencedores, chamam à nova escravatura das mulheres do Magreb "emigração ética". Damos às mulheres "uma oportunidade", dizem eles. E quem se preocupa com os filhos? Gostariam os europeus de separar os filhos deles das mães durante seis meses? Recrutariam os europeus mães dinamarquesas ou suecas, alemãs ou inglesas, portuguesas ou espanholas, para irem durante seis meses apanhar morango? Não. O método de recrutamento seria considerado vil, uma infâmia social. Psicólogos e institutos, organizações e ministérios levantar-se-iam contra a prática desumana e vozes e comunicados levantariam a questão da separação das mães dos filhos numa fase crucial da infância. O processo de selecção seria considerado indigno de uma democracia ocidental. O pior é que as democracias ocidentais tratam muito bem de si mesmas e muito mal dos outros, apesar de querem exportar o modelo e estarem muito preocupadas com os direitos humanos. Como é possível fazermos isto às mulheres? Como é possível instituir uma separação entre trabalhadoras válidas, olhos, dentes, unhas, cabelo, e inválidas? Alguns dos filhos destas mulheres lembrar-se-ão. Alguns dos filhos destas mulheres serão recrutados pelo Islão. Esta Europa que presume de humana e humanista com o Sr. Barroso à frente, às vezes mete nojo.”

Concluindo: Um excelente texto da Clara Ferreira Alves sobre a Europa. Dá que pensar sobre o rumo que a sociedade vem tomando. Umas excelentes férias!

(FONTE: Clara Ferreira Alves, Strawberry fields forever )

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral (V)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.Maio.22
Escrevo este artigo de opinião no dia em que o Santo Padre, Bento XVI, aterrou em Lisboa para uma visita pastoral ao nosso país. Ainda dentro da polémica que se tem gerado em volta da pedofilia no seio da “Santa Madre Igreja” (Católica), pretendo concluir a partilha do artigo do destacado jornalista José Manuel Fernandes, figura irrepreensível dos media portugueses.
“Até ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto - Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela - de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente sessenta por cento dos casos e adoptar uma linha de "tolerância zero".
Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem "protectores" nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos - um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções - para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.
Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como "um crime" e não apenas como "um pecado", ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.
De facto - e este aspecto é muito importante - a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma "Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual" que levaria à expulsão de setecentos padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales "optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados".
Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos "murmúrios da opinião dominante", e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.
Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, "para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução".
Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de "eros", o termo grego para êxtase sexual, e de "ágape", a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma "relação crispada" entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do "eros", mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa.
Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.”
(Fonte: José Manuel Fernandes, É ARRISCADO ESCREVER SOBRE ESTAS COISAS. NÃO ESTÃO NA MODA.)
Concluindo: eu, humilde servo do Senhor, quis, nas últimas semanas, partilhar opiniões de individualidades que têm a sua opinião sobre esta temática tão controversa. Por muito ingénuo que possa parecer, aos olhos dos homens, acredito que a globalidade dos seguidores dos membros do Clero é idónea. E, a minoria que não o é, responderá nos locais apropriados e não neste circo de infâmias que se tem transformado alguns media.

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral (IV)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.Maio.15
Escrevo este artigo de opinião no dia em que o Santo Padre, Bento XVI, aterrou em Lisboa para uma visita pastoral ao nosso país. Ainda dentro da polémica que se tem gerado em volta da pedofilia no seio da “Santa Madre Igreja” (Católica), pretendo partilhar um artigo do destacado jornalista José Manuel Fernandes, figura irrepreensível dos media portugueses.
“Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema, na crise que os casos de pedofilia abriram na Igreja Católica. Até porque talvez ninguém, no seu seio, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa. Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa.
Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados "escândalos de pedofilia" na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal - no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante "a maior crise da Igreja Católica dos últimos cem anos".
Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, "a destruição da religião comportou a destruição da razão", a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso "não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie". Por isso, acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.
Vale, por isso, a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais - um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador - tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de dezoito anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.
Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária - a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas - como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado - até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.
Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.”
(Fonte: José Manuel Fernandes, É ARRISCADO ESCREVER SOBRE ESTAS COISAS. NÃO ESTÃO NA MODA.)
Continua….

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral (III)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.Maio.08
Hoje, quero concluir de partilhar convosco o escrito de um proeminente sociólogo italiano, especialista em questões religiosas sobre esta celeuma que se tem abatido sob o Vaticano e a comunidade de Cristãos Católicos.
Relativamente a 2006 – altura em a BBC emitiu o documentário de Colm O’Gorman, deputado irlandês e activista homossexual – e a 2007 – altura em que Santoro apresentou a respectiva versão italiana em Annozero –, não há, na realidade, grandes novidades, à excepção de uma crescente severidade e vigilância por parte da Igreja. Os casos dolorosos dos quais se tem falado nas últimas semanas não são todos inventados, mas sucederam há vinte ou trinta anos.
Ou talvez haja uma novidade. Como se explica esta recuperação, em 2010, de casos antigos e muitos deles já conhecidos, ao ritmo de um por dia, atacando de forma sempre mais directa o Papa, um ataque aliás paradoxal, tendo em consideração a enorme severidade, primeiro do Cardeal Ratzinger, e depois de Bento XVI, relativamente a este tema? Os «empresários morais» que organizam o pânico têm objectivos específicos, objectivos esses que se vão tornando cada vez mais claros, e que não são a protecção das crianças. A leitura de certos artigos permite compreender que – na véspera de escolhas políticas, jurídicas e mesmo eleitorais que, um pouco por toda a Europa e pelo mundo, põem em questão a administração da pílula RU486, a eutanásia, o reconhecimento das uniões homossexuais, temas em que a voz da Igreja e do Papa é quase a única que se ergue a defender a vida e a família – poderosos grupos de pressão se esforçam por desqualificar preventivamente esta voz com a acusação mais infamante, que é também, hoje em dia, a mais fácil de fazer: a acusação de favorecer ou tolerar a pedofilia. Estes grupos de pressão mais ou menos maçónicos são uma prova do sinistro poder da tecnocracia, evocado pelo mesmo Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate e denunciado por João Paulo II na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1985 (de 08.12.1984), quando se referia aos «desígnios ocultos», a par de outros «abertamente propagandeados», «com vista a subjugar os povos a regimes em que Deus não conta».
Vivemos realmente numa hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, o piemontês Emiliano Avogadro della Motta (1798-1865), que afirmava que das ruínas provocadas pelas ideologias laicistas nasceria uma verdadeira «demonolatria», que se manifestaria de modo especial no ataque à família e à verdadeira noção do matrimónio. Restabelecer a verdade sociológica sobre os pânicos morais relativamente aos sacerdotes e à pedofilia não permitirá travar este grupo de pressão, mas poderá constituir, pelo menos, uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados porque se recusam a calar-se nas matérias que dizem respeito à vida e à família.

(Fonte: Massimo Introvigne - sociólogo italiano, especialista em religião)

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral (II)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.Maio.01
Quero continuar a partilhar convosco o escrito de um proeminente sociólogo italiano, especialista em questões religiosas sobre esta celeuma que se tem abatido sob o Vaticano e a comunidade de Cristãos Católicos.
O estudo do John Jay College afirma, como muitas vezes se lê, que 4% dos sacerdotes americanos são «pedófilos»? Nem pensar. De acordo com o referido estudo, 78,2% das acusações referem-se a menores que já ultrapassaram a puberdade. Ter relações sexuais com uma rapariga de dezassete anos não é certamente um acto de virtude, muito menos para um sacerdote; mas também não é um acto de pedofilia. Assim, os sacerdotes acusados de pedofilia efectiva nos Estados Unidos foram 958 em cinquenta e dois anos, ou seja, dezoito por ano; as condenações foram 54, ou seja, pouco mais de uma por ano.
O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos noutros países é semelhante ao dos Estados Unidos, ainda que não exista, relativamente a nenhum país, um estudo completo como o do John Jay College. Na Irlanda, são frequentemente citados relatórios governamentais, que definem como «endémica» a presença de abusos nos colégios e orfanatos (masculinos) geridos por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que houve casos de gravíssimos abusos sexuais de menores neste país. Uma análise sistemática destes relatórios permite contudo perceber que muitas das acusações dizem respeito à utilização de meios correctivos excessivos ou violentos. O chamado Relatório Ryan, de 2009, que recorre a uma linguagem muito dura no que diz respeito à Igreja Católica, assinala, em 25.000 alunos de colégios, reformatórios e orfanatos, no período analisado, 253 acusações de abusos sexuais por parte de rapazes e 128 por parte de raparigas (e nem todas são atribuídas a sacerdotes, religiosos ou religiosas), de natureza e gravidade diversas, raramente referidas a crianças pré-púberes e que ainda mais raramente conduziram a condenações.
As polémicas das últimas semanas, relativas à Alemanha e à Áustria, expõem uma característica típica dos pânicos morais: apresentar como «novos» factos ocorridos há muitos anos ou, como em alguns casos, conhecidos parcialmente há mais trinta anos. O facto de eventos ocorridos em 1980 terem chegado à primeira página dos jornais apresentados como se tivessem acontecido ontem – e com particular insistência no que diz respeito à Bavária, a área geográfica de onde o Papa é originário –, e de deles resultarem violentas polémicas, com ataques concentrados, que todos os dias anunciam, em estilo gritante, novas «descobertas», mostra claramente que o pânico moral é promovido por «empresários morais» de forma organizada e sistemática. O caso que – de acordo com os títulos de alguns jornais – «envolve o Papa» é um caso de manual; refere-se a um episódio de abusos que teve lugar na Arquidiocese de Munique da Baviera e Freising, da qual era Arcebispo o actual Pontífice, e que remonta a 1980. O caso veio à luz em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986, estabelecendo, entre outras coisas, que a decisão de instalar o sacerdote em questão na diocese não tinha sido tomada pelo Cardeal Ratzinger, nem era sequer do seu conhecimento, circunstância que não é propriamente de estranhar numa diocese grande, com uma burocracia complexa. A verdadeira questão deve ser, pois: o que leva um jornal alemão a decidir recuperar o caso, e trazê-lo à primeira página vinte e quatro anos depois?
Uma pergunta desagradável – porque o simples facto de a colocar parece uma atitude defensiva, e também não consola as vítimas –, mas importante, é a de saber se um sacerdote católico corre, pelo facto de o ser, mais riscos de vir a ser pedófilo ou de abusar sexualmente de menores do que a maioria da população, duas situações que, como se viu, não são idênticas, porque abusar de uma rapariga de dezasseis anos não é ser pedófilo. É fundamental responder a esta pergunta, para descobrir as causas do fenómeno, e portanto para poder evitá-lo. De acordo com os estudos de Philip Jenkins, comparando a Igreja Católica dos Estados Unidos com as principais denominações protestantes, a presença de pedófilos é, dependendo das denominações, duas a dez vezes superior entre os pastores protestantes. A questão é relevante, porque mostra que o problema não é o celibato, dado que, na sua maioria, os pastores protestantes são casados. No mesmo período em que uma centena de sacerdotes católicos eram condenados por abusos sexuais de menores, o número de professores de educação física e de treinadores de equipas desportivas jovens, também quase todos casados, considerados culpados do mesmo delito nos tribunais americanos atingia os seis mil. Os exemplos podem multiplicar-se, e não só nos Estados Unidos. E o principal dado a ter em conta, de acordo com os relatórios periódicos do governo americano, é o de que dois terços dos abusos sexuais a menores não são feitos por estranhos, ou por educadores – incluindo os sacerdotes católicos e os pastores protestantes –, mas por membros da família: padrastos, tios, primos, irmãos e pelos próprios pais. E existem dados semelhantes relativamente a muitos outros países.
E há um dado ainda mais significativo, mesmo que politicamente incorrecto: 80% dos pedófilos são homossexuais, são homens que abusam de outros homens. E – voltando a citar Philip Jenkins – 90% dos sacerdotes católicos condenados por abusos sexuais de menores e pedofilia são homossexuais. Se a Igreja Católica tem efectivamente um problema, não é o do celibato, mas o de uma certa tolerância da homossexualidade nos seminários, que teve particular incidência nos anos 70, a época em que foi ordenada a grande maioria dos sacerdotes que foram posteriormente condenados por abusos. Um problema que Bento XVI está a corrigir com todo o vigor. De forma mais geral, o regresso à moral, à disciplina ascética, à meditação sobre a verdadeira e grandiosa natureza do sacerdócio, são os melhores antídotos contra a verdadeira tragédia que é a pedofilia.

(Fonte: Massimo Introvigne - sociólogo italiano, especialista em religião)

Sacerdotes pedófilos: um pânico moral (I)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.ABRIL.24
Nas próximas três semanas vou partilhar convosco um escrito de um proeminente sociólogo italiano, especialista em questões religiosas sobre esta celeuma que se tem abatido sob o Vaticano e a comunidade de Cristãos Católicos.
Por que motivo se volta a falar de sacerdotes pedófilos, com acusações que remontam à Alemanha, a pessoas próximas do Papa, e talvez mesmo ao próprio Papa? A sociologia tem alguma coisa a dizer sobre isto, ou deve deixar o assunto exclusivamente ao cuidado dos jornalistas? Parece-me que a sociologia tem muito a dizer, e que não deve calar-se por receio de desagradar a algumas pessoas. Do ponto de vista do sociólogo, a actual discussão sobre os sacerdotes pedófilos constitui um exemplo típico de «pânico moral». O conceito surgiu nos anos 70 do século XX, para explicar a «hiperconstrução social» de que alguns problemas são objecto; mais precisamente, os pânicos morais foram definidos como problemas socialmente construídos, caracterizados por uma sistemática amplificação dos dados reais, quer a nível mediático, quer nas discussões políticas. Os pânicos morais têm ainda duas outras características: em primeiro lugar, problemas sociais que existem desde há várias décadas são reconstruídos, nas narrativas mediáticas e políticas, como problemas «novos», ou como problemas que foram objecto de um alegado crescimento, dramático e recente; em segundo lugar, a sua incidência é exagerada por estatísticas folclóricas que, embora não confirmadas por estudos académicos, são repetidas pelos meios de comunicação, podendo inspirar persistentes campanhas mediáticas. Por seu turno, Philip Jenkins sublinhou o papel dos «empresários morais», pessoas cujos interesses nem sempre são óbvios, na criação e na gestão destes pânicos. Os pânicos morais não fazem bem a ninguém; distorcem a percepção dos problemas, comprometendo a eficácia das medidas destinadas a resolvê-los. A uma análise mal feita não pode nunca deixar de se seguir uma intervenção mal feita.
Sejamos claros: na origem dos pânicos morais estão condições objectivas e perigos reais; os problemas não são inventados, as suas dimensões estatísticas é que são exageradas. Numa série de interessantes estudos, Philip Jenkins mostrou que a questão dos sacerdotes pedófilos é talvez o exemplo mais típico de pânico moral; com efeito, estão aqui presentes os dois elementos característicos desta situação: um dado real de partida, e um exagero deste dado por obra de ambíguos «empresários morais».
Comecemos pelo dado real de partida. Há sacerdotes pedófilos. Alguns casos, repugnantes e perturbadores, foram alvo de condenações peremptórias, e os próprios acusados nunca se declararam inocentes. Estes casos – passados nos Estados Unidos, na Irlanda, na Austrália – explicam as severas palavras proferidas pelo Papa, bem como o pedido de perdão que dirigiu às vítimas. Mesmo que se tratasse apenas de dois casos – ou de um só –, seriam sempre demais; contudo, a partir do momento em que não basta pedir perdão – por muito nobre e oportuna que tal atitude seja –, sendo preciso evitar que os casos se repitam, não é indiferente saber se foram dois, ou duzentos, ou vinte mil. Como também não é irrelevante saber se os casos são mais ou menos numerosos entre os sacerdotes e os religiosos católicos do que entre outras categorias de pessoas. Os sociólogos são muitas vezes acusados de trabalhar com a frieza dos números, esquecendo que, por detrás dos números, se encontram pessoas; acontece porém que, embora insuficientes, os números são necessários, porque são o fundamento de uma análise adequada.
Para se compreender como é que, a partir de um dado tragicamente real, se passou a um estado de pânico moral, é pois necessário perguntar quantos são os sacerdotes pedófilos. Os dados mais amplos sobre esta matéria foram recolhidos nos Estados Unidos onde, em 2004, a Conferência Episcopal encomendou um estudo independente ao John Jay College de Justiça Criminal da Universidade de Nova Iorque, que não é uma universidade católica e que é unanimemente reconhecida como a mais autorizada instituição académica americana em criminologia. De acordo com este estudo, entre 1950 e 2002, 4392 sacerdotes americanos (num total de 109.000) foram acusados de manter relações sexuais com menores; destes, pouco mais de uma centena foram condenados pelos tribunais civis. O reduzido número de condenações por parte do Estado deriva de vários factores. Em alguns casos, as vítimas – efectivas ou presumidas – acusaram sacerdotes que já tinham morrido, ou cujos alegados crimes já tinham prescrito; noutros casos, a acusação e a condenação canónica não corresponde à violação de nenhuma lei civil, como acontece, por exemplo, em diversos estados americanos em que o sacerdote tenha tido relações com uma – ou mesmo com um – menor com mais de dezasseis anos que tenha consentido no acto. Mas também houve muitos casos clamorosos de sacerdotes inocentes que foram acusados, casos que se multiplicaram na década de 1990, quando alguns escritórios de advogados perceberam que podiam arrancar indemnizações milionárias na base de simples suspeitas. Os apelos à «tolerância zero» justificam-se, mas também não deve haver tolerância relativamente à calúnia de sacerdotes inocentes. Acrescento que, relativamente aos Estados Unidos, os números não mudariam de forma significativa se lhes juntássemos o período de 2002 a 2010, porque o estudo do John Jay College já fazia notar o «notável declínio» do número de casos observado no ano 2000. As novas investigações foram muito poucas, e as condenações pouquíssimas, devido às rigorosas medidas introduzidas, quer pelos bispos americanos, quer pela Santa Sé.

(Fonte: Massimo Introvigne - sociólogo italiano, especialista em religião)

Lições de um escândalo

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.ABRIL.17
Esta semana quero partilhar com os meus leitores um artigo de um amigo, Pedro Vaz Patto, sobre a polémica que tem entretido os mass media nas últimas semanas.
“Acabo de ler a carta do Papa Bento XVI sobre o escândalo dos abusos sexuais de crianças e adolescentes praticados durante vários anos por sacerdotes irlandeses. Será oportuno reflectir a respeito das lições que podem ser extraídas desta tão triste ocorrência.
Um dos maiores erros cometidos por responsáveis da Igreja irlandesa foi o de sobrepor as exigências de salvaguarda da imagem e reputação da Igreja às da protecção das vítimas de crimes tão graves. Essa reputação não pode assentar na mentira, sobretudo se esta prejudica as pessoas que a Igreja deve servir. A humildade de reconhecer e pedir perdão pelos erros dos seus filhos, na linha do que fez João Paulo II a propósito de dois mil anos de História e do que faz agora inequivocamente a este propósito Bento XVI, de modo algum descredibiliza a Igreja
Outra lição a retirar destes factos é a de que a compreensão e misericórdia para com os autores de crimes não dispensam as exigências da justiça, eclesiástica e civil, com o que isso supõe de atenção às vítimas, de reparação dos danos, e até de castigo e penitência. Como afirma o Papa nesta carta aos católicos irlandeses, os autores destes crimes devem «responder perante Deus e os homens». O que se passou na Irlanda, ao contrário do que por vezes se tem afirmado, nunca teve cobertura nas normas de direito canónico, que foram esquecidas e violadas. Essas normas foram mais tarde modificadas no sentido de uma maior severidade precisamente pelo cardeal Ratzinger, razão pela qual se revela profundamente injusta a obstinada tentativa, da parte de alguns sectores de opinião, de o responsabilizar por factos como os ocorridos na Irlanda.
A “avalanche”, a que vimos assistindo, de notícias sobre abusos sexuais de crianças e adolescentes praticados por sacerdotes (algumas relativas a factos de há mais de cinquenta anos e já conhecidos) pode criar (de forma não certamente inocente) uma imagem distorcida da realidade, quase como se estes fenómenos fossem exclusivos ou característicos da Igreja católica e não se verificassem, até em proporções maiores, em ministros de outras denominações cristãs ou de outras religiões, e, sobretudo, noutros grupos profissionais. Distorção que também faz esquecer o testemunho de integridade (nalguns casos, até de santidade) da esmagadora maioria dos sacerdotes. Como têm salientado os especialistas e até quem contesta a disciplina canónica a tal respeito, não é o celibato que está na origem destas condutas, perpetradas noutros âmbitos na sua grande maioria por pessoas não celibatárias. Mesmo assim, nem sequer a ocorrência de um destes casos seria de esperar ou aceitar, pelo que representam, como também salienta a carta em apreço, de atentado à “santidade do sacramento da Ordem” e à confiança que devem merecer quaisquer agentes de formação da juventude. Que sacerdotes tenham praticado factos tão graves faz realçar a importância da sua adequada e criteriosa selecção e preparação. Um cuidado que instruções recentes da Santa Sé têm procurado reforçar.
Alguns sectores de opinião normalmente hostis para com a Igreja católica (a revista alemã Der Spiegel, por exemplo) têm aproveitado este escândalo não só para contestar a disciplina do celibato sacerdotal, mas para descredibilizar a própria ética sexual veiculada pela Igreja católica. Também por esta via se distorce gravemente a realidade. Estes fenómenos revelam a pertinência dessa ética sexual, não o contrário. O abuso sexual de menores representa, talvez, o ápice de violação daqueles princípios de ética sexual que a Igreja católica tem defendido contra a corrente da opinião dominante, muitas vezes quase sozinha (apesar de decorreram, em grande parte, de uma perspectiva simplesmente “humanista” e não especificamente cristã). Falar de auto-domínio, de controlo dos impulsos e tendências sexuais é contrariar a opinião dominante, mas é a falta desse auto-domínio que está na origem destes comportamentos. Salientar os malefícios da actividade sexual precoce, porque normalmente dissociada da comunhão interpessoal que a humaniza, também vai contra a opinião dominante, mas são malefícios desse tipo que, de uma forma extremada, decorrem do abuso sexual de menores. Quando a corrente dominante vai no sentido da apologia de uma sexualidade como um campo sem regras (quantas vezes não se ouve dizer que não há “sexualidades normais”?), é pertinente contrariar essa visão. E salientar, como faz o magistério da Igreja, a importância de evitar a “coisificação” do outro, neste como noutros campos. Essa “coisificação” caracteriza vários comportamentos sexuais cada vez mais tolerados e atinge, talvez, a sua máxima expressão precisamente no abuso sexual de crianças e adolescentes. Também esta é uma lição que pode ser extraída deste escândalo. “

(Fonte: Pedro Vaz Patto, Juiz e membro da Comissão Nacional Justiça e Paz)

terça-feira, 13 de abril de 2010

2010: Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (XI)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.ABRIL.10


Hoje, depois do tríodo Pascal, vou voltar a sistematizar o documento-quadro estratégico para a escolha da Comissão Europeia para este ano europeu.
Grupos vulneráveis: Alguns grupos sociais correm maiores riscos de cair na pobreza e na exclusão social, como é o caso das famílias com crianças – especialmente famílias numerosas ou famílias monoparentais –, dos idosos, de pessoas com deficiência e dos imigrantes. Estes grupos vulneráveis apresentam geralmente taxas de emprego baixas, taxas de abandono escolar elevadas e uma maior probabilidade de serem vítimas de exclusão financeira. A UE quer compreender melhor a razão que leva estes grupos a ser mais afectados pela pobreza e quer também saber como voltar a inclui-los na sociedade. São necessários objectivos comuns e indicadores para se poder compreender o problema. As medidas adoptadas pela UE são tão variadas quanto os problemas que estes grupos enfrentam. O objectivo é melhorar a situação destes grupos através: 1) Do apoio e integração dos imigrantes e minorias étnicas no mercado de trabalho; 2) Da promoção de emprego para pessoas com deficiência; 3) Da adopção de medidas de tratamento igual para combater a discriminação
Exclusão financeira: Hoje em dia, vários europeus – especialmente os que vivem na pobreza – não têm acesso a serviços financeiros como contas poupança ou contas à ordem. É-lhes barrada a possibilidade de fazerem poupanças, créditos, seguros e serviços de pagamentos. O acesso a serviços financeiros é essencial para que um cidadão esteja económica e socialmente integrado na sociedade. É ainda um requisito para conseguir emprego, para garantir o crescimento económico, para reduzir a pobreza e para promover a integração social. Nalguns casos, é negada a criação ou manutenção de uma conta bancária a pessoas que vivem no limiar da pobreza, o que leva a uma maior exclusão financeira. A UE está a unir esforços políticos e a coordenar acções entre os governos dos Estados-Membros e todos os interessados para resolver este problema. Em 2009, a Comissão Europeia lançou duas consultas públicas para tentar encontrar um conjunto de regras que assegurasse o acesso a uma conta bancária à maioria das pessoas: 1) Inclusão financeira e 2) Empréstimos responsáveis. As medidas tomadas pretendem assegurar serviços de aconselhamento sobre endividamento bem como informações e programas educacionais.
Mercado de trabalho inclusivo: Ter um emprego de qualidade é o factor mais importante para que alguém saia da pobreza e seja reinserido na sociedade. O problema é que os indivíduos mais vulneráveis da sociedade – como por exemplo pais solteiros, imigrantes, idosos, jovens, deficientes e pessoas com poucas qualificações – são os que têm mais dificuldade em arranjar um emprego seguro e estável. São também os mais afectados pelas crises económicas, como aquela que a Europa enfrenta neste momento. A UE tem uma variedade de ferramentas políticas e instrumentos de financiamento para melhorar as perspectivas de trabalho de grupos excluídos. Por exemplo, a Estratégia Europeia para o Emprego procura criar condições para que haja mais e melhores empregos para todos os europeus. Já o Fundo Social Europeu e outros programas da UE disponibilizam fundos para a educação, formação e apoio no local de trabalho para ajudar especificamente indivíduos que pertencem a grupos vulneráveis a encontrar ou a manter um emprego.
Inclusão activa: Num esforço concertado para ultrapassar a pobreza e a exclusão social, a UE está a incentivar os Estados-Membros a desenvolverem políticas de inclusão activa. A inclusão activa consiste em encontrar emprego para o maior número possível de pessoas e ao mesmo tempo assegurar que os que não conseguem entrar no mercado de trabalho possam ter uma vida normal. A inclusão activa baseia-se em três princípios: 1) Garantia de rendimento adequado para evitar a exclusão social; 2) Recorrer a mercados de trabalho inclusivos para ajudar quem possa trabalhar a conseguir encontrar e manter um emprego; e 3) Melhorar o acesso a serviços sociais de qualidade, como por exemplo apoios à habitação, serviços de saúde e assistência infantil. A UE incentiva o desenvolvimento da inclusão activa coordenando iniciativas em toda a Europa e ajudando os Estados-Membros a trocarem entre si experiências na área das políticas de inclusão activa.
(Fonte: http://www.2010againstpoverty.eu/ )

segunda-feira, 5 de abril de 2010

ALELUIA!!!

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.ABRIL.04



Jesus Cristo ressuscitou. Esta frase, para as sociedades ímpias, não tem significado algum. Mas porque será que Portugal, sendo um país “laico e republicano (e socialista)” comemora esta data? Razões culturais? Sociais?
Acho engraçado dizer-se que Portugal é um país católico. Mas as percentagens dividem-se por “católicos praticantes” e “católicos não praticantes”. O que é ser “católico não praticante”? Há as categorias “médico não praticante”, “engenheiro não praticante”, “jornalista não praticante”? Não, pois não?! As nossas sociedades têm o péssimo hábito de rotular tudo. Há pessoas que fazem as coisas conforme a sua consciência e outras não. O resto é retórica.
O que significa “Páscoa”?
O termo “Páscoa” deriva do aramaico Pasha, que em hebraico se diz pesach, todavia tem um significado discutível: pode ser "saltar", originalmente em referência a uma dança ritual; mas também a passagem do sol pelo seu ponto mais alto numa determinada constelação.
No livro do Êxodo, no Antigo Testamento (Ex. 12,26-32) o termo refere-se à noite em que Javé matou os primogénitos do Egipto e poupou ("saltou") as casas de Hebreus, cujas ombreiras e dintel das portas estavam pintadas com o sangue do cordeiro pascal.
Para o Judaísmo a Páscoa, a sua principal festa, comemora a libertação dos hebreus no Egipto através da passagem do Mar Vermelho, conduzidos por Moisés (Ex. 12, 1-13). Javé terá dito então a Moisés: "Aquele dia será para vós um memorial, e vós festejá-lo-eis como uma festa em honra ao Senhor. Ao longo das vossas gerações, a deveis festejar como uma lei perpétua" (Ex. 12,14).
A Páscoa dos Hebreus era a festa dos cordeiros novos (com um ano), entre os pastores, e festa do pão novo, ou dos Ázimos, entre os agricultores. Por isso se dizia "comer a Páscoa" (Mt. 26,17). Só depois da escravidão no Egipto é que se tornou a festa da libertação e a anunciação da libertação futura, impregnada de Messianismo, o vector fundamental da religião judaica.
A Páscoa cristã celebra a ressurreição de Jesus no domingo após o dia 14 de Nisan, data da Páscoa judaica: é pois a memória do sacrifício de Jesus na Cruz, uma nova vítima pascal e da sua vitória sobre a morte pela ressurreição. Simbolicamente, Cristo, apresentado como o cordeiro de Deus, representa a nova Páscoa, e é o pão novo, que ourifica pelo seu sangue. Jesus, que era judeu, concilia assim as duas tradições judaicas do Antigo Testamento na sua pessoa, eixo central do Novo Testamento. Como a Paixão e morte de Jesus coincidiram com a Páscoa judaica, vários costumes e símbolos foram incorporados às tradições cristãs.
Aqui está, pois, a síntese da Páscoa judaico-cristã. Entre os cristãos, a Páscoa é comemorada no primeiro domingo após a lua cheia seguinte ao equinócio de Março (dia 21). É por isso uma data móvel, que pode ocorrer entre 22 de Março e 25 de Abril. É precedida de quarenta dias de Quaresma e da Semana da Paixão.
No Ocidente, a Páscoa tem perdido simbolismo, o que fez com que certos costumes da sua liturgia desaparecessem. Mas entre os cristãos ortodoxos, por exemplo, existiram desde sempre costumes pascais próprios e exclusivos, como a saudação "Cristo ressuscitou", entre os russos, com a resposta "Ressuscitou realmente".
Na Península Ibérica, por seu lado, ainda subsistem costumes como o "enterro do Judas", hábito que a Igreja condenou e que consiste no "linchamento" simbólico de um boneco representando Judas Iscariotes em sábado de Aleluia.
Concluindo: eis o contributo antropológico do conceito Páscoa. Páscoa não é as amêndoas e ovos de chocolate que se vendem e que se compram. Páscoa é a festa do Ressuscitado. Que se faça Páscoa nos corações atribulados.



(Fonte: MAURÍCIO Miguel, Diário dos Açores, 2006.04.11)

2010: Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (X)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.MAR.27

Qualquer pessoa pode passar por uma situação de pobreza durante a sua vida. No entanto, alguns grupos enfrentam riscos maiores como são os casos de famílias com crianças (especialmente famílias numerosas ou famílias monoparentais), idosos, pessoas com deficiência e imigrantes. Em todas as categorias anteriores, as mulheres são mais afectadas do que os homens.
A pobreza afecta as pessoas de várias formas e está geralmente associada à exclusão social. Além dos problemas já conhecidos, como habitação precária ou desalojamento, quem vive na pobreza têm probabilidades de vir a ter:
Saúde precária e acesso limitado ao sistema de saúde;
Acesso reduzido à educação, formação e actividades de lazer;
Exclusão financeira e sobre endividamento;
Acesso limitado à tecnologia moderna, como por exemplo a Internet.
Para combater estes e outros problemas relacionados, a União Europeia (UE) recorre ao método aberto de coordenação, segundo o qual cada Estado-Membro desenvolve as suas próprias estratégias. Este método tem em conta a natureza multi-dimensional da pobreza e tem os seguintes objectivos:
Eliminar a pobreza infantil e a pobreza dentro das famílias;
Facilitar o acesso ao mercado de trabalho, educação e formação;
Ultrapassar a discriminação e procurar resolver as causas da pobreza relacionadas com o sexo e a idade;
Combater a exclusão financeira e o sobre endividamento;
Combater a habitação precária e a exclusão habitacional;
Promover a inclusão social de grupos vulneráveis.
Pobreza Infantil: Cerca de 19 milhões de crianças vivem na pobreza por toda a Europa. As crianças que crescem num ambiente familiar pobre têm mais probabilidades de continuar aprisionadas às condicionantes da pobreza durante as suas vidas, tal como os seus descendentes. As crianças que vivem na pobreza enfrentam várias dificuldades relacionadas entre si, como por exemplo a precariedade de habitação e de acesso ao sistema de saúde, oportunidades limitadas de educação e falta de comida e de roupa. Em 2006, o Conselho Europeu colocou a questão da eliminação da pobreza infantil no topo da agenda política da UE. Cada Estado-Membro aceitou o compromisso de desenvolver medidas estratégicas e duradouras – que envolvem políticas sociais, culturais e económicas a vários níveis – de modo a evitar e eliminar a pobreza infantil.
Desalojamento: O acesso à habitação é um direito fundamental e todos têm direito a uma casa segura. Ainda assim, milhares de europeus não têm uma casa onde viver. As pessoas podem ficar desalojadas por várias razões, como por exemplo perder o emprego ou para fugir da violência doméstica. Além disso muitos dos sem-abrigo estão em risco de vir a sofrer doenças mentais ou de se deixar agarrar nas teias do alcoolismo ou da toxicodependência. Os desalojados pertencem ao grupo dos mais excluídos e mais vulneráveis na sociedade. Para além do desalojamento, a privação de habitação ou o peso excessivo da renda no orçamento familiar podem levar a mais casos de exclusão social. Os esforços para combater o desalojamento e a exclusão habitacional ocupam um lugar central nas Estratégias de Protecção e Inclusão Social da UE, que têm como objectivo coordenar as acções dos Estados-Membros e incentivar a partilha de boas práticas. Estão a ser efectuadas pesquisas para estabelecer definições e desenvolver indicadores de desalojamento. Se se conseguir saber mais sobre esta questão e o seu contexto poder-se-á chegar a soluções mais eficazes para combater o desalojamento e a exclusão habitacional. Estas informações permitirão à UE e aos Estados-Membros desenvolverem políticas mais eficientes para ajudar os desalojados.

Madeira… Um mês depois

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.MAR.20

Faz hoje um mês que se abateu sobre a ilha da Madeira um cataclismo. Toda a população da Madeira arregaçou as mangas e pôs mãos à obra. Tive a oportunidade de ter notícias, por várias fontes, da tenacidade daquele povo.
Mas não posso ficar alheio a um e-mail que recebi. Estou certo que ninguém pode ficar indiferente. Por isso, transcrevo, na íntegra, um texto do engenheiro silvicultor Cecílio Gomes da Silva, de 11 de Dezembro de 1984, que saiu no DN do Funchal a 13 de Janeiro de 1985!
“Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da Ilha da Madeira, muito especialmente da região a Norte do Funchal e que constitui as bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para o Funchal, dando-lhe aquela fisiografia de perfeito anfiteatro, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma das mais torrenciais dessas ribeiras – a de Santa Luzia – o mundo dos meus sonhos é frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira. Tive um sonho.
Adormecendo ao som do vento e da chuva fustigando o arvoredo do exemplar Bairro dos Olivais Sul onde resido, subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu. Acompanhavam-me dois dos meus irmãos – memórias do tempo da Juventude – em que nós, depois do almoço, íamos a pé, subindo a Ribeira de Santa Luzia e trepando até à Alegria por alturas da Fundoa, até ao Pico das Pedras, Esteias e Pico Escalvado. Mas no sonho, a meio da escadaria de lascas de pedra, o vento fez-nos parar, obrigando-nos a agarrarmo-nos a uns pinheiros que ladeavam a pequena levada que corria ao lado da escadaria. Lembro-me que corria água em supetões, devido ao grande declive, como nesses velhos tempos. De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. O tempo passava e um ruído ensurdecedor, semelhante a uma trovoada, enchia todo o espaço. Quanto durou, é difícil calcular em sonhos. Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. De onde me encontrava via-os transformarem-se numa só torrente de lama, pedras e detritos de toda a ordem. A Ribeira de Santa Luzia, bloqueada por alturas da Ponte Nova – um elevado monturo de pedras, plantas, arames e toda a ordem de entulho fez de tampão ao reduzido canal formado pelas muralhas da Rua 31 de Janeiro e da Rua 5 de Outubro – galgou para um e outro lado em ondas alterosas vermelho acastanhadas, arrasando todos os quarteirões entre a Rua dos Ferreiros na margem direita e a Rua das Hortas na margem esquerda. As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. A Ribeira de João Gomes quase não saiu do seu leito até alturas do Campo da Barca; aí, porém, chocando com as águas vindas da Ribeira de Santa Luzia, soltou pela margem esquerda formando um vasto leito que ia desaguar no Campo Almirante Reis junto ao Forte de S. Tiago. A Ribeira de S. João, interrompida por alturas da Cabouqueira fez da Rua da Carreira o seu novo leito que, transbordando, tudo arrasou até à Avenida Arriaga. Um tumultuoso lençol espumante de lama ia dos pés do Infante D. Henrique à muralha do Forte de S. Tiago. O mar em fúria disputava a terra com as ribeiras. Recordo-me de ver três ilhas no meio daquele turbilhão imenso: o Palácio de S. Lourenço, A torre da Sé e a fortaleza de S. Tiago. Tudo o mais tinha desaparecido – só água lamacenta em turbilhões devastadores.
Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer. Acordado o resto da noite por tremenda insónia, resolvi arborizar toda a serra que forma as bacias dessas ribeiras. Continuei a sonhar, desta vez acordado. Quase materializei a imaginação; via-me por aquelas chapas nuas e erosionadas, com batalhões de homens, mulheres e máquinas, semeando urze e louro, plantando castanheiros, nogueiras, pau-branco e vinháticos; corrigindo as barrocas com pequenas barragens de correcção torrencial, canalizando talvegues, desobstruindo canais. E vi a serra verdejante; a água cristalina deslizar lentamente pelos relvados, saltitando pelos córregos enchendo levadas. Voltei a ouvir os cantares dolentes dos regantes pelos socalcos ubérrimos das vertentes. Foram dois sonhos. Nenhum deles era real; felizmente para o primeiro; infelizmente para o segundo.
Oxalá que nunca se diga que sou profeta. Mas as condições para a concretização do pesadelo existem em grau mais do que suficiente.
Os grandes aluviões são cíclicos na Madeira. Basta lembrar o da Ribeira da Madalena e mais recentemente o da Ribeira de Machico. Aqui, porém, já não é uma ribeira, mas três, qualquer delas com bacias hidrográficas mais amplas e totalmente desarborizadas. Os canais de dejecção praticamente não existem nestas ribeiras e os cones de dejecção estão a níveis mais elevados do que a baixa da cidade. As margens estão obstruídas por vegetação e nalguns troços estão cobertas por arames e trepadeiras. Agradável à vista mas preocupante se as águas as atingirem. Estão criadas todas as condições, a montante e a jusante para uma tragédia de dimensões imprevisíveis (só em sonhos).
Não sei como me classificaria Freud se ouvisse este sonho. Apenas posso afirmar sem necessidade de demonstrações matemáticas que 1 mais 1 são 2, com ou sem computador. O que me deprime, porém, é pensar que o segundo sonho é menos provável de acontecer do que o primeiro. Dei o alarme – pensem nele.”


FONTE: Engenheiro Silvicultor Publicado no dia 13 de Janeiro de 1985 no jornal “Diário de Notícias” do Funchal

sábado, 13 de março de 2010

Chiara Lubich, Uma mulher excepcional que continua a marcar a História da Humanidade

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.MAR.13

“(…) Chiara Lubich foi a primeira mulher cristã a expor a sua experiência espiritual (sem dela nada ocultar) a vastos auditórios budistas, muçulmanos e hindus. Fê-lo em 1981, num templo de Tóquio, perante 10.000 pessoas; em 1997, na Tailândia, perante monges e monjas budistas, e, também em 1997, na histórica mesquita “Malcom X” de Harlem, em Nova Iorque. (….)”

Amanhã, faz dois anos que partiu, para o Paraíso, Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares (MdF), um movimento católico que, de forma inovadora, acolhe cristãos de outras denominações, fiéis de outras religiões e pessoas de convicções não religiosas. Presente em 182 nações, conta cerca de 140 mil membros activos e 2 milhões de aderentes.
Toda esta difusão se deve à fidelidade de uma jovem de Trento que, em 1943, num contexto de guerra que evidenciava a caducidade de todos os ideais humanos, descobriu em Deus o Ideal da sua vida. Essa descoberta levou-a a reler a uma nova luz o Evangelho. De um modo particular, sentiu-se chamada a actuar o testamento de Jesus, as palavras que Ele pronunciou pouco antes de morrer: «Pai, que todos sejam um, como Tu e Eu somos um».
O que trouxe de novo, à Igreja e à Humanidade, a vida de Chiara Lubich? O Santo Padre João Paulo II afirmou, um dia, que via no Movimento que ela fundou uma imagem da Igreja tal como a delineou o Concílio Vaticano II. Antecipou e, posteriormente, concretizou várias das intuições desse Concílio. Desde logo, a revalorização do papel dos leigos (e da mulher) na Igreja. Propôs a santidade como uma meta para todos (“a santidade para as massas”), resultado não tanto de um caminho individual, mas de uma experiência comunitária de amor e ajuda recíprocos (uma “santidade colectiva”).
A sua proposta de unidade entre as pessoas e as comunidades encontra o seu modelo em Deus uno e trino. A vida da Trindade deixa de ser algo de longínquo e inacessível (o teólogo Karl Rahner chegara, até, a afirmar que, se fossem abolidos os dogmas trinitários, talvez a vida do comum dos cristãos não se modificasse) e passa a ser um modelo para todos os âmbitos da vida social, onde se harmonizam unidade e distinção, identidade e comunhão.
O «que todos sejam um» foi, pois, o horizonte de Chiara Lubich e do Movimento por ela fundado, que, também na linha do Vaticano II, se abriu a quatro diálogos: o diálogo entre católicos, o diálogo entre cristãos de várias denominações, o diálogo com fiéis de outras religiões e o diálogo com pessoas de convicções não religiosas.
A espiritualidade da Unidade veio reanimar a vida de muitas famílias chamadas a abrir-se à sociedade, para a impregnar dos seus valores característicos, para que ela se torne uma grande família. «Como a família, assim a sociedade» - propôs numa ocasião Chiara Lubich.
No Evangelho, ela e os seus seguidores encontraram a fonte da «mais potente revolução social», capaz de renovar pessoas e estruturas. São inúmeras as obras sociais a que deram origem.
Esta espiritualidade trouxe, também, uma nova luz aos ramos do saber, não só à teologia, mas também à filosofia, à psicologia, à sociologia, à economia, à reflexão política, etc. Chiara Lubich, que abandonara a perspectiva de seguir estudos para se consagrar a Deus, recebeu, de Universidades espalhadas por todo o mundo, doutoramentos honoris causa em quase todas essas disciplinas.
Ao mundo da política, propôs a fraternidade como autêntica categoria política, para dar expressão concreta a este terceiro princípio (o que tem sido mais esquecido) do tríptico da Revolução Francesa. Políticos de vários quadrantes têm acolhido esta proposta.
Ao mundo da economia, propôs um modelo de economia de comunhão na liberdade, desafiando as ideias correntes de que só o móbil do egoísmo torna eficaz a economia, ou só a intervenção estatal permite introduzir na vida económica a consideração do Bem Comum.
A vida de Chiara Lubich transformou muitas outras vidas. Nela colheram inspiração e ensinamentos pessoas que têm em curso processos de beatificação, como o intelectual e político italiano Igino Giordani (um co-fundador do MdF) e o cardeal vietnamita Van Thuan, referido como testemunho de vida cristã numa encíclica de Bento XVI.
(Fonte: Pedro Vaz Patto in http://paginaspessoais.parlamento.pt/ )
Concluindo: Amanhã, na missa das 17h, na Igreja matriz de S. Sebastião, na cidade de Ponta Delgada, será celebrada uma Eucaristia em homenagem a este ícone. Muitas pessoas comuns de todo o mundo lhe devem aquilo que dá sentido às suas vidas, aquilo que de mais precioso têm. É o que sucede também comigo, desde a minha adolescência. Daí a minha gratidão, que não posso deixar de tornar pública. Grazie, Chiara!

2010: Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (IX)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.MAR.06
Hoje vou continuar a sistematizar o documento-quadro estratégico para a escolha da Comissão Europeia para este Ano Europeu, mais concretamente no que ao financiamento e apoio não financeiro diz respeito.
Financiamento: A dotação do Ano Europeu de 2010 ascende a 17 milhões de euros provenientes do orçamento comunitário, dos quais um máximo de 9 milhões será gasto em actividades nos Estados-Membros. Este segundo montante será completado por co-financiamento de igual valor por parte dos Estados-Membros. Assim, deverão ser disponibilizados cerca de 18 milhões de euros para actividades nacionais. A parte de cada Estado-Membro foi provisoriamente calculada com base no respectivo número de votos no Conselho Europeu e ajustada para garantir um apoio mínimo de 120.000 euros a todos os Estados-Membros. Em consequência, os orçamentos variam entre 120.000 e 750.000 euros. O total poderá variar, já que a participação de outros países que constam do artigo 11.º da Decisão poderá alterar o orçamento e a respectiva repartição.
O financiamento comunitário cobre até 50% do total dos custos elegíveis. O co-financiamento nacional deve cobrir pelo menos 50% do total dos custos, podendo emanar de fontes públicas ou privadas (fundações ou empresas). A regra de 50% de co-financiamento aplicar-se-á ao total dos custos elegíveis consolidados, isto é, a todos os projectos previstos nos programas nacionais (incluindo os custos administrativos das entidades nacionais de execução), assumidos como um todo e não individualmente. A nível europeu, o financiamento (8 milhões de euros em gestão directa) destina-se a:
compra de bens e serviços (campanha de informação e comunicação; avaliação externa do Ano Europeu);
subvenções para a organização, a nível europeu, de eventos especiais destinados a aumentar a notoriedade e a sensibilização para o Ano Europeu.
Tais subvenções não excederão 80% do total dos custos elegíveis dos eventos. Neste contexto, a Comissão Europeia destaca a importância de facilitar o acesso a todas as ONG, incluindo organizações de pequena e média dimensão. Para que o acesso seja tão vasto quanto possível, as entidades nacionais de execução podem decidir não solicitar co-financiamento de ONG responsáveis pela implementação, optando por financiar na íntegra certas acções individuais.
Apoio não financeiro: As actividades que não recebam qualquer subvenção podem ser autorizadas e incentivadas a usar o logótipo do Ano Europeu de 2010, se cumprirem plenamente os seus objectivos. No plano nacional, este apoio será dado pelas entidades nacionais de execução a iniciativas de organizações públicas ou privadas nacionais, regionais ou locais, desde que os seus promotores demonstrem que essas actividades:
decorrem durante o Ano Europeu de 2010 (entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2010);
ajudam à concretização de um ou mais objectivos do Ano Europeu;
estão em sintonia com a estratégia nacional definida no respectivo programa nacional.
As actividades realizadas à escala da UE com acentuada dimensão comunitária ou carácter transnacional, ou que decorrem em países que não participam no Ano Europeu, também podem ser elegíveis para apoio não financeiro. Receberão autorização escrita para a utilização do logótipo e poderão solicitar material informativo do Ano Europeu de 2010, desde que cumpram as regras acima mencionadas.
(Fonte: http://www.2010againstpoverty.eu )

quarta-feira, 3 de março de 2010

2010: Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (VIII)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.FEV.27

Hoje vou continuar a sistematizar o documento-quadro estratégico para a escolha da Comissão Europeia para este Ano Europeu, mais concretamente no que à gestão e coordenação no plano europeu diz respeito.

Qual o papel da Comissão Europeia: A decisão que institui o Ano Europeu de 2010 fixou um misto de actividades centralizadas e descentralizadas, como a melhor opção para manter a flexibilidade de adaptação às situações nacionais. É, porém, importante que o Ano Europeu de 2010 mantenha uma forte dimensão e identidade comunitárias. Para tal, a Comissão Europeia chama a si as seguintes tarefas:

* agir enquanto catalisador para incentivar o envolvimento e o empenho político da UE e dos Estados-Membros;

* facilitar a participação mais adequada, incluindo a dos grupos mais vulneráveis;

* gerir uma campanha de informação e comunicação, dando designadamente apoio às entidades nacionais de execução na definição das respectivas estratégias de comunicação;

* fornecer apoio técnico e consultoria às entidades nacionais de execução;

* verificar a coerência de todas as actividades, tanto na preparação como na realização das actividades do Ano Europeu de 2010;

* realizar um exercício contínuo de avaliação.

Qual o papel do Comité Consultivo: na gestão e na coordenação das actividades do Ano Europeu de 2010, a Comissão Europeia será apoiada por um comité consultivo composto por representantes dos Estados-Membros designados por cada entidade nacional de execução e presidido pelo representante da Comissão Europeia. Esta organizará as reuniões do comité. Podem ser organizadas cinco reuniões: duas em 2009, duas em 2010 e uma reunião final em 2011. São válidos para o comité os princípios e as condições que se aplicam à Comissão Europeia em matéria de acesso do público aos documentos. O Parlamento Europeu será regularmente informado pela Comissão sobre os trabalhos do comité.

Como se processa a participação do Comité da Protecção Social e de outros comités: O Comité da Protecção Social (CPS) será associado à preparação e à realização das actividades do Ano Europeu de 2010 por meio de trocas regulares de pontos de vista. A Comissão e os Estados-Membros – em consulta com o comité consultivo do Ano Europeu – manterá o CPS a par das principais actividades (campanhas de informação, principais eventos, etc.), a fim de garantir a maior coerência possível com os planos nacionais de acção para a inclusão e maximizar o impacto destas actividades. A Comissão também identificará outros comités relevantes que deveram estar informados ou participar na programação das actividades.

Quais são as parcerias a nível europeu: As instituições europeias, e em especial o Parlamento Europeu, o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social Europeu, assim como as várias agências, são convidados a desempenhar um papel activo nas actividades do Ano Europeu. A Comissão irá também desenvolver parcerias com organizações não governamentais activas neste domínio e outros intervenientes relevantes à escala da UE, no âmbito das principais iniciativas e decisões. Cada reunião do comité consultivo será precedida de encontros entre os intervenientes comunitários.

(Fonte: http://www.2010againstpoverty.eu )

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

2010: Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (VII)

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.FEV.20

Neste tempo de quaresma, hoje continuo a sistematizar o documento-quadro estratégico para a escolha da Comissão Europeia para este ano europeu, mais concretamente no que à consulta sobre os programas nacionais e respectivo acompanhamento diz respeito.
Para realizar as suas tarefas, em particular no momento da elaboração do programa nacional e, sempre que seja apropriado, durante a execução deste Ano Europeu, a entidade nacional de execução consulta e coopera de forma estreita com um grupo composto por um amplo leque de interessados relevantes, incluindo organizações da sociedade civil e organizações que defendem ou representam os interesses de pessoas em situação de pobreza e exclusão social, os parceiros sociais e as autoridades regionais e locais.
Sempre que existam práticas nacionais de diálogo civil, estas devem ser utilizadas como ponto de referência para as consultas. São possíveis intervenientes:
• organismos públicos relevantes; representantes de autoridades governamentais nacionais, regionais e locais;
• organizações da sociedade civil e organizações de defesa ou representação dos interesses das pessoas que vivem situações de exclusão social, incluindo a sua participação directa;
• parceiros sociais, prestadores de serviços sociais;
• associações de utentes, sector voluntário.
As entidades nacionais de execução podem solicitar apoio ou contactos às grandes redes europeias que operam no domínio do combate à pobreza e da promoção da inclusão social, com experiência comprovada de trabalho com pessoas em situação de pobreza. Os critérios de selecção dos intervenientes serão divulgados, juntamente com a lista das partes envolvidas. A semelhança do que acontece à escala da UE, estes critérios poderão incluir:
• a capacidade destas organizações para representar, promover e defender os direitos e os interesses das pessoas em situação de pobreza e exclusão social;
• a sua capacidade para reunir e mobilizar membros de diferentes países.
Um critério fundamental à luz do qual a Comissão irá avaliar os programas nacionais apresentados pelas entidades nacionais de execução será o de um nível adequado de consulta. Em sintonia com os objectivos do Ano Europeu de 2010, a consulta regular e a cooperação serão parte de todas as fases, da programação, à implementação e à avaliação, a fim de garantir a eficácia do impacto à escala nacional e subnacional.
A Comissão Europeia sugere que as entidades nacionais de execução se inspirem nas actor involvement variables (variáveis da participação dos intervenientes), definidas no Fórum dos planos nacionais de acção para a inclusão social, que decorreu na Irlanda, em Novembro de 2007.