segunda-feira, 8 de junho de 2009

A Europa tem uma Alma!

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2009.JUNHO.08

A Europa está a mudar. Antes que pensemos que é essencial que a Europa tenha uma Alma, temos que olhar o futuro partindo daquilo que mais lhe é peculiar: uma história, um passado comum que lhe permite ter um conjunto de valores éticos e culturais partilhados pelas várias nações europeias.
De facto, só a adopção de princípios, valores e convicções permitirá à União Europeia ir para além de divergências nacionais em função daquilo que é o bem comum. Desta forma, continua a ser importante que a União Europeia contenha a inspiração obtida nas «heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa cujos valores, ainda presentes no seu património, enraizaram na vida da sociedade o papel central da pessoa humana e dos seus direitos invioláveis e inalienáveis». Continuo a pensar que o Cristianismo é uma parcela decisiva dessa herança. O que define os valores da União é ”o respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito, e do respeito pelos direitos humanos. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a não discriminação».
Desta forma, é possível a unidade na Europa (e também no mundo), porque ela começa com a paz entre os povos e esta é uma exigência – particularmente sentida após o 11 de Setembro em Nova Iorque – necessária ao bem de todos, que nasce na consequência da tolerância e solidariedade entre os povos, bem como na justiça mundial. A unidade não é só um sinal dos tempos (com o processo de globalização em curso nas áreas dos audiovisuais, tecnologia, economia e outros), mas constitui-se também como um instrumento sempre mais em relevo na colaboração para a resolução de problemas comuns, para o diálogo e a convivência entre culturas antes separadas.
A Europa viveu, ao longo da sua história, diversas experiências que influenciaram todo o continente. Basta pensar em cada um dos períodos históricos que influenciaram de modo semelhante o espaço europeu: o pensamento grego que foi uma base para todos, a organização romana que nos unia a quase todos num único império, a semente cristã que se desenvolveu e se impregnou nas estruturas e nos valores, o período medieval (caracterizado pela inexistência de fronteiras naturais ou artificiais, com uma organização política comum onde os povos governados eram considerados iguais de território para território), a divisão das Igrejas, o mercantilismo que ligou várias cidades europeias numa única rede de comunicações. Depois, a modernidade (que traz a soberania dos Estados, o surgimento das fronteiras, a separação dos territórios, a clivagem entre o “Eu” e os “Outros”), a expansão ultramarina, as vagas de emigração, a Revolução francesa e todo pensamento iluminista, os desenvolvimentos liberais, a criação de impérios, os regimes ditatoriais, o desenvolvimento do comunismo, a descolonização, as guerras mundiais. E, enfim, a reconstrução do continente e a abertura do caminho para uma Europa finalmente unida, com a construção da União Europeia e a implementação de diversos instrumentos de índole política, económica e comercial que permitiram não só uma maior unificação do continente, mas também a abertura harmoniosa das suas fronteiras ao mundo.
Desta forma, pode constatar-se que o continente europeu, mesmo se constituído por diversas Nações, acaba por viver um entendimento entre os diversos países, porque todos são semelhantes, têm contornos comuns: existe uma herança que os une. Têm uma experiência histórica, social e cristã que os identifica entre si.
A Europa sempre se caracterizou por uma grande abertura aos outros povos e culturas: em particular a partir do século XV, com a expansão marítima para o resto do Mundo, viveu sempre em contacto com o exterior, em comunhão com o mundo – influenciada, talvez, pela sua localização geográfica, pelos progressivos desenvolvimentos tecnológicos, pelas grandes ondas de emigração, pelo confluir de culturas… o que é certo que a Europa foi sempre um elo de ligação do mundo, e, desta forma, uma Europa unida pode funcionar como um esboço de mundo unido - daí uma visão profética da construção europeia.
De facto, pode estar mais próxima a construção da fraternidade num continente como o Europeu, onde existe uma tradição, uma história e uma cultura comuns, mesmo se rica de aspectos distintos, que nos aproximam. A Europa deve então viver a fraternidade - cada cidadão deve amar a pátria alheia como a própria. Porém, para que o continente tenha esta projecção para o mundo unido, a Europa deve estar aberta ao mundo, eliminando as barreiras que a protegem e desincentivando, em cada momento, o modelo de Europa-fortaleza. Ao invés, deve fomentar programas de intercâmbio e diálogo com países terceiros. Por exemplo, aproveitando os motivos já existentes: as razões de natureza histórica, os motivos comerciais, a cooperação tecnológica, a ajuda aos países menos desenvolvidos, o envolvimento na protecção ao ambiente, a luta pela paz e os direitos do Homem. Tal como já no passado o continente se caracterizou como sendo o ponto de partida de ideias e Ideais, a Europa unida pode, hoje, servir, pelo sucesso verificado na construção de um continente unido, como exemplo para o resto do mundo de novas formas de pensar e viver.
Hoje, com o processo de globalização/mundialização em curso, não podemos ficar alheios e muito menos indiferentes. Uma Europa com uma forte componente social pode contribuir para uma melhor regulação da globalização, procurando harmonizar a liberdade económica com a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Assim sendo, a economia servirá, sobretudo, como meio e não como fim em si mesmo para alcançar o objectivo global de desenvolvimento harmonioso dos povos. Construir a Europa, uma Europa unida, implica a nossa participação activa – a Europa, enquanto união de países e povos, dificilmente poderá viver de pactos de boa vontade.
(FONTE: MAURÍCIO, Miguel, A Europa terá uma alma?, in Diário dos Açores, 2004.02.22)
Conclusão: É necessário formar a consciência dos cidadãos para o facto de cada um ser condição indispensável para o avanço da unidade no continente. Isto implica estar informados, estar presentes nas decisões, procurando que espelhem sempre uma realidade: o facto de a Alma da Europa abarcar, em grande medida, a Alma do mundo.

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