segunda-feira, 5 de abril de 2010

ALELUIA!!!

ESTE ARTIGO DE OPINIÃO SAIU NO JORNAL QUOTIDIANO DE PONTA DELGADA, DIÁRIO DOS AÇORES, NO PASSADO DIA 2010.ABRIL.04



Jesus Cristo ressuscitou. Esta frase, para as sociedades ímpias, não tem significado algum. Mas porque será que Portugal, sendo um país “laico e republicano (e socialista)” comemora esta data? Razões culturais? Sociais?
Acho engraçado dizer-se que Portugal é um país católico. Mas as percentagens dividem-se por “católicos praticantes” e “católicos não praticantes”. O que é ser “católico não praticante”? Há as categorias “médico não praticante”, “engenheiro não praticante”, “jornalista não praticante”? Não, pois não?! As nossas sociedades têm o péssimo hábito de rotular tudo. Há pessoas que fazem as coisas conforme a sua consciência e outras não. O resto é retórica.
O que significa “Páscoa”?
O termo “Páscoa” deriva do aramaico Pasha, que em hebraico se diz pesach, todavia tem um significado discutível: pode ser "saltar", originalmente em referência a uma dança ritual; mas também a passagem do sol pelo seu ponto mais alto numa determinada constelação.
No livro do Êxodo, no Antigo Testamento (Ex. 12,26-32) o termo refere-se à noite em que Javé matou os primogénitos do Egipto e poupou ("saltou") as casas de Hebreus, cujas ombreiras e dintel das portas estavam pintadas com o sangue do cordeiro pascal.
Para o Judaísmo a Páscoa, a sua principal festa, comemora a libertação dos hebreus no Egipto através da passagem do Mar Vermelho, conduzidos por Moisés (Ex. 12, 1-13). Javé terá dito então a Moisés: "Aquele dia será para vós um memorial, e vós festejá-lo-eis como uma festa em honra ao Senhor. Ao longo das vossas gerações, a deveis festejar como uma lei perpétua" (Ex. 12,14).
A Páscoa dos Hebreus era a festa dos cordeiros novos (com um ano), entre os pastores, e festa do pão novo, ou dos Ázimos, entre os agricultores. Por isso se dizia "comer a Páscoa" (Mt. 26,17). Só depois da escravidão no Egipto é que se tornou a festa da libertação e a anunciação da libertação futura, impregnada de Messianismo, o vector fundamental da religião judaica.
A Páscoa cristã celebra a ressurreição de Jesus no domingo após o dia 14 de Nisan, data da Páscoa judaica: é pois a memória do sacrifício de Jesus na Cruz, uma nova vítima pascal e da sua vitória sobre a morte pela ressurreição. Simbolicamente, Cristo, apresentado como o cordeiro de Deus, representa a nova Páscoa, e é o pão novo, que ourifica pelo seu sangue. Jesus, que era judeu, concilia assim as duas tradições judaicas do Antigo Testamento na sua pessoa, eixo central do Novo Testamento. Como a Paixão e morte de Jesus coincidiram com a Páscoa judaica, vários costumes e símbolos foram incorporados às tradições cristãs.
Aqui está, pois, a síntese da Páscoa judaico-cristã. Entre os cristãos, a Páscoa é comemorada no primeiro domingo após a lua cheia seguinte ao equinócio de Março (dia 21). É por isso uma data móvel, que pode ocorrer entre 22 de Março e 25 de Abril. É precedida de quarenta dias de Quaresma e da Semana da Paixão.
No Ocidente, a Páscoa tem perdido simbolismo, o que fez com que certos costumes da sua liturgia desaparecessem. Mas entre os cristãos ortodoxos, por exemplo, existiram desde sempre costumes pascais próprios e exclusivos, como a saudação "Cristo ressuscitou", entre os russos, com a resposta "Ressuscitou realmente".
Na Península Ibérica, por seu lado, ainda subsistem costumes como o "enterro do Judas", hábito que a Igreja condenou e que consiste no "linchamento" simbólico de um boneco representando Judas Iscariotes em sábado de Aleluia.
Concluindo: eis o contributo antropológico do conceito Páscoa. Páscoa não é as amêndoas e ovos de chocolate que se vendem e que se compram. Páscoa é a festa do Ressuscitado. Que se faça Páscoa nos corações atribulados.



(Fonte: MAURÍCIO Miguel, Diário dos Açores, 2006.04.11)

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